A DOIS CLIQUES DE DEUS
Sites religiosos cedem espaço a páginas pessoais recheadas de recursos inovadores,
como jogos de perguntas e respostas, templos virtuais,
confessionário on-line e pedidos de orações.
Revi. Das Religiões ed.15, nov.2004, p.42-47. Ed. Abril
Tanto a fé quanto a rede mundial de computadores podem ser definidas como meios de acessar aquilo que se encontra além do mundo concreto. Mas o campo de interseção entre ambas extrapola os estreitos limites dessa metáfora. Basta uma rápida pesquisa para constatar que religiões de toda espécie, desde as menos influentes até as majoritárias, já assentaram praça na web. Oração da filosofia japonesa Seicho-no-Ie para perdoar o próximo? Aconselhamentos com um pastor via e-mail? Download da Bíblia? Jogos com temas cristãos? Lista de discussão sobre Espiritismo? Pense em qualquer um desses assuntos e tenha a certeza de que o mesmo se encontra logo ali bem ao alcance do teclado do seu computador. Com cerca de 600 milhões de máquinas interligadas no espaço virtual, as opções proliferaram. Só o buscador Yahoo! registra mais de 10 mil sites brasileiros na categoria espiritualidade e religião. No Orkut, existem mais de 5 mil grupos sobre o tema.
FÉ INTERATIVA
Houve época em que algumas correntes entre os evangélicos, hoje exímios na propagação de suas mensagens pela mídia, condenavam a televisão. Para elas, o aparelho transmitia a “imagem da besta”. Sinal dos tempos: um dos sites religiosos pioneiros no Brasil, em 1996, pertencia a uma doutrina evangélica, a Igreja Presbiteriana.
De lá pra cá, uma grande mudança no perfil dos sites ocorreu silenciosamente. No princípio, os endereços acolhiam representações autorizadas de fés específicas. Exemplos atuais desse tipo são os sites www.cnbb.org.br, da Igreja Católica, e o www.momon.org.br, da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Com o tempo, a relativa popularização dos computadores domésticos e dos programas para construir sites fez com que uma avalanche de endereços pessoais suplantasse em muito os sites oficiais. Ou seja, nem toda página autodenominada católica possui a aprovação do Vaticano – embora seu criador professe o Catolicismo. O mesmo vale para as demais crenças. “A Igreja do Evangelho Quadrangular, da qual faço parte, não nos tem notado no últimos sete anos e o mesmo vale para muitos de nossos líderes”, queixa-se Edson de Almeida e Franzen, “webministro” da Igreja Virtual Evangélica (www.nbz.com.br/igrejavirtual/index/htm, com média de 500 acessos diários).
Atualmente, a oposição das igrejas contemporâneas à Internet é ínfima. Atrativos não faltam. A Web propicia pregações sob o formato de texto, áudio e imagem. Alcança um grau de interatividade bas-tante acima dos meios de comunicação de massa que a precederam. O site do Ministério Cristo Vai Voltar (www.cvvnet.org/cgi-bin/cvvnet, 6 mil visitas por dia em média), por exemplo, oferece versões em inglês e espanhol de textos sagrados, Bíblia para download, serviços para celular, áudio com o sermão do dia, cartões virtuais com música, canções gospel, jogos e 653 temas de estudos bíblicos. “Foi o modo que en-contrei de utilizar meus talentos na área da computação para a glória de Deus”, diz Cleandro Valença Viana, membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia e criador do site. Em outras páginas, a tecnologia tem dado margem a experiências ainda mais inovadoras, como as descritas nos boxes desta matéria–nenhuma delas reconhecida oficialmente. Confessionário on-line, templo com personagens animados e velas vir-tualmente acesas buscam simular,à la Matrix,as relações mantidas em ambientes sacrossantos de verdade.
Revi. Das Religiões ed.15, nov.2004, p.42-47. Ed. Abril
SEM FRONTEIRAS
Romper barreiras geográficas com a Internet representa uma dádiva para os adeptos cibernéticos. “Ajudei a coordenar encontros nacionais na época em que telefone e correio eram as únicas formas de contatar as pessoas”, diz Celso Rodrigues, do Universo Espírita (www.universoespirita.org.br, com média
de 4 mil visitas diárias). “Hoje fazemos reuniões on-line com gente de todo o Brasil. É muito mais fácil.” O portal da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (www.ieclb.org.br), por sua vez, centraliza dados sobre trabalhos desenvolvidos em 18 sínodos – conjunto de comunidades e paróquias de uma região – para que sejam lidos em todo o País. “O portal fornece uma amostra das demandas e reforça a união dos grupos de Norte a Sul”, afirma a assessora Caroline Helena Strussmann.
Giridhari Das, editor do Guia de Hare Krishna na Internet (www.sobresites.com/harekrishna), acredita que a rede mundial de computadores modifica a crença dos internautas. “Temos arquivados mais de 20 mil e-mails recebidos do início de 2000 até hoje, todos com perguntas profundas e sérias. É um poderoso recurso para tirar as pessoas daquele tipo de religiosidade herdada, desinteressada.”
A troca de e-mails, as salas de bate-papo, os fóruns de debate, as listas de discussão e o recente fenômeno Orkut constituem terreno fértil para o louvor. Mas é preciso controlar a empolgação. O alcance da mídia virtual esbarra na forte desigualdade social brasileira. Segundo pesquisa do Ibope eRatings, que mensalmente colhe dados da rede, menos de 10% da população brasileira tem acesso à Internet. O preço elevado de um computador e o alto custo das ligações telefônicas fazem com que as igrejas, templos e afins continuem sendo os caminhos mais fáceis de acesso à fé. Convém ressaltar ainda que nem toda iniciativa na Internet é digna de veneração. “Algumas pessoas sabem usá-la de forma extremamente positiva. Mas existem grupos que aproveitam os fóruns e listas de discussão para promover a intolerância e atacar outras religiões”, afirma o budista Elton Melo, coordenador do Dharmanet (www.dharmanet.com.br, média de 1.500 visitas por dia).
JOIO E TRIGO
A proliferação de sites mal-intencionados despertou a atenção de diversas entidades. Em 2002, o Vaticano publicou um decreto manifestando preocupação com as páginas que instigam o ódio religioso e étnico. Alguns deles estariam, segundo o documento, orientados contra a Igreja Católica. O sociólogo da religião Antônio Flávio Pierucci, da USP, discorda. “As religiões transformaram a Internet num jogo de cartas marcadas. Não existem sites contrários a nenhuma fé específica”, diz ele. “Para quem navega pela rede, parece até que as Igrejas monitoram o mundo virtual e tiram do ar todos os opositores.”
Embora estimule a colonização da Web como mecanismo de evangelização e catequização, o Vaticano faz ressalvas às leituras doutrinais excêntricas e práticas devocionais peculiares. As comunidades de internautas inscritas no Orkut servem de exemplo. São 5.565 na categoria “religiões e crenças”. Um grande número de internautas interessados em debater a sério o assunto? Não exatamente. Grupos virtuais dedicados ao Espiritismo (6.560 membros), ao Budismo (1.960 membros) e à Juventude Cristã (1.294 membros) convivem com bobagens como “Era Jesus um X-Men?” (1.610 membros) e “Hakuna Matata” (1.317 membros).
Aos sites inoportunos soma-se outra polêmica recorrente. Diz respeito à possibilidade de o computador vir um dia a substituir os encontros coletivos. Sem essa intenção, a grande maioria das páginas virtuais indica endereços físicos onde o interessado pode abraçar sua doutrina. “Temos elementos em comum com outros sites cristãos, mas a ênfase está na divulgação da igreja local”, diz William Max da Silva, administrador do site da Arquidiocese de Belo Horizonte (www.arquidiocese-bh.org.br, média de 1.340 acessos ao dia). Além disso, os sites ajudam quem não dispõe de um terreiro, Igreja ou templo ao seu alcance e quer entrar em contato com alguma religião. “Várias pessoas me escrevem de lugares onde não existem grupos Hare Krishna”, afirma o budista Elton.
Para o ministro da Igreja Presbiteriana e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie, Carlos Caldas Filho, dificilmente o PC irá roubar os fiéis dos locais de culto. “Talvez em casos extremos de misantropia ou timidez isso possa ocorrer. Mas, em condições normais, o espaço virtual não consegue suprir o calor humano do contato pessoal.” O ex-padre Fernando Altemeyer Júnior, teólogo da PUC de São Paulo, faz coro. “O presencial é condição sine qua non para a prática espiritual e, no caso cristão, eucarística”, diz ele. “Sem o ‘ao vivo’ não existe religião vivida e celebrada.”
Por Gabriel Falcão
Revi. Das Religiões ed.15, nov.2004, p.42-47. Ed. Abril
TEMPLO ANIMADO NO COMPUTADOR
Você entra e olha ao redor. O lugar está repleto de fiéis. Eles se cumprimentam como velhos conhecidos e conversam baixinho entre si. O inglês monopoliza os diálogos. Então, duas opções se apresentam: permanecer isolado ou se enturmar. Você escolhe a segunda e é recebido com amabilidade por um pequeno grupo. Pede licença e senta-se em um dos bancos. O sermão vai começar. Detalhe importante: seu corpo físico não se encontra realmente lá. Suas mãos no teclado do computador limitam-se a controlar um boneco animado em 3 dimensões.
Assim funcionou o primeiro templo cristão on-line, batizado de Church of Fools (ao pé da letra, “igreja dos tolos”). No ar desde maio, o site inglês de inspiração metodista recebe gente dos mais diversos credos. “Mais britânico, impossível. É um clara tentativa de reverter o esvaziamento e a descristianização tão presentes na sociedade inglesa”, opina o teólogo e cientista da religião Carlos Caldas Filho, da Universidade Mackenzie. Conectar-se ao www.shipoffools.com/church depois de atingida a lotação máxima significa circular invisível, sem direito a um personagem. Entre as opções de figuras, há jovens, velhos, homens, mulheres, negros e até um sujeito de suéter verde, bigode e óculos que lembra Ned Flamders – o vizinho evangélico de desenho Os Simpsons. Os fiéis virtuais conseguem fazer o sinal-da-cruz, ajoelhar-se em posição de prece, abençoar o próximo, erguer os braços e gritar “Aleluia!”. Quando o pastor inicia o sermão, suas frases flutuam na tela, de baixo para cima. A certa altura, ele pergunta onde cada um vive. Os participantes dizem, ou melhor, digitam: Berlim, Barcelona, Sydney, Nova York, Berkeley, Portland, Estocolmo, São Paulo... É a deixa para o sacerdote pregar que a fé, com uma forcinha da Internet, transpõe fronteiras. “Pode ser simpático e divertido, mas do ponto de vista teológico não dá para aceitar”, diz o teólogo Fernando Altemeyer Júnior. “É um game, não um sacramento.”
VELAS VIRTUAIS
Já é possível acender uma vela ou fazer um pedido de oração na igreja sem precisar ir até ela. Os dois recursos estão no site CatolicaNet, criado pro Silvia Bruno Securato, de 51 anos, que atualmente cursa doutorado em Ciências da Religião na PUC de São Paulo. Na página Velas Virtuais (www.catolicanet.com.br/interatividade/velas/index.asp), o visitante só precisa escolher o tamanho e o formato da vela e enviar um e-mail com a intenção. Para fazer uma solicitação de reza basta entrar no link Pedido de Orações (www.catolicanet.com.br/interatividade/oracao/index.asp) e enviar pelo correio eletrônico.
Para que os pedidos não caiam no limbo da grande rede, Silvia se compromete a dar um destino a cada um deles. “Tenho o hábito de copiar os pedidos e enviar via fax para a Fraternidade dos Discípulos de Jesus e as Irmãs Carmelitas, nossos intercessores”, diz ela, que fundou o site em março de 2000. “Depois, coloco-os nas intenções da missa e acendo velas de verdade na igreja.” No último dia 3 de setembro havia 392 velas virtuais acesas e 446 orações solicitadas. A partir das dúvidas e dos pedidos mais freqüentes que aparecem no site, Silvia escreveu os livros da coleção Para Encontrar a Paz, já no quinto volume.
SHOW DO MILHÃO BÍBLICO
Moisés tinha o poder de transformar a água do Rio Nilo em pedras, sangue, vinho, poeira ou lama? Quem virou uma estátua de sal? A mulher de Jó? A mulher de Ló? A filha de Ló? Ou a mulher de Jacó? A primeira pergunta faz parte do Jogo do Cristão, disponível em www.catolicanet.com.br/interatividade/jogo. A questão sobre a metamorfose de uma mulher em cloreto de sódio vem de Quem quer um Ser um milionário no Céu? – www.cvvnet.org/cgibin/cvvnet?Portuguese+GAMES+MIH – também conhecido como Show do Milhão Bíblico. O CatolicaNet, que contém o primeiro jogo, professa o Catolicismo, enquanto o site Cristo Vai Voltar é evangélico. Ambos utilizam perguntas e respostas para levar os internautas a se interessar pela Bíblia. Não estão sós. O buscador Google responde com 20.500 ocorrências à expressão “jogos bíblicos”. O jogo evangélico Quem quer um Ser um milionário no Céu? tem, no mesmo site, variações intituladas Quadrinhos Bíblicos e Maratona Bíblica. No católico Jogo do Cristão, os fiéis dispõem de 20 segundos para cada questão. O primeiro colocado no ranking geral acertou 1.060. O jogo é muito bom e indica a preocupação em apresentar uma face moderna e em sintonia com o nosso tempo, opina o cientista da religião Carlos Caldas Filho. Em tempo: sangue e a mulher de Ló são as respostas corretas.
UM SITE PARA CONFISSÕES
A iniciativa partiu da Premier Christian Radio, emissora de Londres cuja audiência gira em torno de 20 mil ouvintes. O cibernauta digita o endereço www.theconfessor.co.uk e vê surgir diante de si aquilo que Peter Kerridge, diretor da rádio, define como um “confessionário on-line”. Trata-se de uma janela na qual se contempla o desenho menos imaginativo possível para uma proposta dessa natureza: nuvens brancas num céu azul. Em seguida, o usuário passeia por 12 telas que contêm citações da Bíblia. A combinação dos textos varia a cada acesso, mas todos abordam o ato de declarar seus pecados ao Senhor. Ao chegar à sétima tela, digitam-se as próprias faltas ou utiliza-se a confissão-padrão – o Salmo 51, que clama: “Cria em mim, ó Deus, coração puro, e renova dentro em mim um espírito inabalável”.
Após fazer a confissão, o fiel internauta só não pode esperar a reposta de um sacerdote. Na verdade, não há ninguém do outro lado. É inútil esperar por penitência ou absolvições via e-mail. Segundo Kerridge, o simulacro de confessor não envia nem armazena informações. A expiação dos pecados simplesmente se desmancha no espaço virtual. Para a psicóloga Dagmar Silva Pinto de Castro, da Universidade Metodista de São Paulo, tal brincadeira pode até ajudar as pessoas. “O ato de expor seus problemas quase sempre exerce uma função terapêutica”, diz ela. “Mas se a confissão on-line atende ou não às necessidades espirituais de alguém é outra questão”.
Revi. Das Religiões ed.15, nov.2004, p.42-47. Ed. Abril
Atividade referente ao texto
Depois da leitura do texto "A dois cliques de Deus" e a partir de suas próprias experiências, vamos elaborar um texto que simule as características de um site relacionado à prática religiosa. Escolha o n.'1' OU n.'2' abaixo e escreva sobre os itens correspondentes:
1. Este é um site dedicado aos praticantes religiosos
1.1. o que esse site oferece: confissões, orações, graças, curas, velas, bençãos, incenso, meditação.... Explique como são ofertados.
1.2. qual o público alvo deste site.
1.3. como é o 'marketing'
1.4. como deve ser o comportamento das pessoas q. seguem essa prática
1.5. outros....
Você pode 'misturar' características de várias religiões e/ou 'inventar'.
2. esse site é dedicado aos NÃO praticantes de qualquer expressão religiosa:
2.1. quais são os motivos para não entrar em uma religião.
2.2. quais são os motivos para ser ativamente contra as religiões.
2.3. quais são as atividades que podem ser efetivadas contra as religiões.
2.4. quais são as propostas para o comportamento humano sem a religião.
2.5. outros....
Você pode colocar idéias de vários autores ou 'inventar'.
Essa atividade fica disponível entre os dias 10/03 a 16/03. Vale 10 pontos para N1 + a presença do dia 13/03.